ALFABETOS
Ainda uma consideração sobre as lumi-latas.
Vou te contar uma história. Vai parecer metida à besta em algum momento, mas nada mais distante disso. É minha história.
Eu fiz Farmácia, em Ouro Preto, e fui continuar meus estudos em Cardiff, capital do País de Gales, no Reino Unido. Faz sete anos, mas parece que faz uma vida, uma outra vida.
Até menos de um mês antes de minha chegada em Cardiff, eu sequer sabia que existia uma cidade com este nome. Passei uns dias em Londres, e fui pra lá de trem, e meu primeiro susto foi perceber que o taxista não me entendeu quando falei o endereço. Precisou pegar o papel da minha mão e ver o nome escrito. Eu não sabia pronunciar o nome da minha rua. Os fonemas não correspondiam ao que eu conhecia do inglês. Então comecei a olhar as placas, e o que era aquela língua? Galês, baby, galês.
Aprendi rápido que era um pouco ofensivo chamar o país onde eu moraria por um tempo de Wales (Gales), sendo welsh (galês) uma palavra de origem anglo-saxã que quer dizer estrangeiro. Os invasores chamaram os invadidos de estrangeiros em sua própria terra. Uma ofensa, claro, mas que pegou. O nome Cymru (lê-se Câmri) é o que reconhecem melhor.
Eu fiquei encantada com aquela língua. Eu queria aprender aquela língua, eu queria falar naquela língua. Eu fico sempre encantada por uma língua que não compreendo. Quando o alfabeto é diferente então, a língua escrita é alçada à condição de desenho.
Falei disso para um amigo, na universidade, e ele passou a me escrever bilhetinhos em árabe. Me chamava pra um café com uma xícara desenhada e uma frase. Eu sempre desconfiei que o texto era outra coisa, mas achava lindo, lindo aquele alfabeto que eu sequer conseguia reproduzir. Aprendi a ler (=identificar os fonemas do alfabeto) grego na Grécia, cirílico na Macedônia, mas nunca consegui ler as letras árabes.
Então é isso o que eu acho: que o texto não entendido é um desenho, e que o alfabeto não entendido é desenho que, por seu design limpo - característico do desenho que foi repetido ad nauseam por muitos, e simplificado - é lindo. Vide o japonês nas latas.
Mas a não-compreensão, e o encantamento pela forma, leva a situações engraçadas. Um amigo veio passar uns dias aqui em casa, um tempo atrás. É um moço muito bacana, que sempre termina seus emails com “paz e loucura”, à guisa de regards, e que fala muitas línguas, que aprendeu nos muitos lugares onde morou. Fala português com vários sotaques: carioca, nordestino... Agora mora na Etiópia (o perfil do link é antigo). Mas derivo, quando quero dizer é que fizemos um jantar oriental e coloquei uma toalha de mesa com símbolos em japonês, e ele começou a ler a toalha e a rir. Era a reprodução em kanji de um texto de jornal que dizia, entre outras notícias indigestas, que um homem tinha morrido num assalto.
Ou seja, língua estranha é lindo. Mas muita calma nessa hora.
Vou te contar uma história. Vai parecer metida à besta em algum momento, mas nada mais distante disso. É minha história.
Eu fiz Farmácia, em Ouro Preto, e fui continuar meus estudos em Cardiff, capital do País de Gales, no Reino Unido. Faz sete anos, mas parece que faz uma vida, uma outra vida.
Até menos de um mês antes de minha chegada em Cardiff, eu sequer sabia que existia uma cidade com este nome. Passei uns dias em Londres, e fui pra lá de trem, e meu primeiro susto foi perceber que o taxista não me entendeu quando falei o endereço. Precisou pegar o papel da minha mão e ver o nome escrito. Eu não sabia pronunciar o nome da minha rua. Os fonemas não correspondiam ao que eu conhecia do inglês. Então comecei a olhar as placas, e o que era aquela língua? Galês, baby, galês.
Aprendi rápido que era um pouco ofensivo chamar o país onde eu moraria por um tempo de Wales (Gales), sendo welsh (galês) uma palavra de origem anglo-saxã que quer dizer estrangeiro. Os invasores chamaram os invadidos de estrangeiros em sua própria terra. Uma ofensa, claro, mas que pegou. O nome Cymru (lê-se Câmri) é o que reconhecem melhor.
Eu fiquei encantada com aquela língua. Eu queria aprender aquela língua, eu queria falar naquela língua. Eu fico sempre encantada por uma língua que não compreendo. Quando o alfabeto é diferente então, a língua escrita é alçada à condição de desenho.
Falei disso para um amigo, na universidade, e ele passou a me escrever bilhetinhos em árabe. Me chamava pra um café com uma xícara desenhada e uma frase. Eu sempre desconfiei que o texto era outra coisa, mas achava lindo, lindo aquele alfabeto que eu sequer conseguia reproduzir. Aprendi a ler (=identificar os fonemas do alfabeto) grego na Grécia, cirílico na Macedônia, mas nunca consegui ler as letras árabes.
Então é isso o que eu acho: que o texto não entendido é um desenho, e que o alfabeto não entendido é desenho que, por seu design limpo - característico do desenho que foi repetido ad nauseam por muitos, e simplificado - é lindo. Vide o japonês nas latas.
Mas a não-compreensão, e o encantamento pela forma, leva a situações engraçadas. Um amigo veio passar uns dias aqui em casa, um tempo atrás. É um moço muito bacana, que sempre termina seus emails com “paz e loucura”, à guisa de regards, e que fala muitas línguas, que aprendeu nos muitos lugares onde morou. Fala português com vários sotaques: carioca, nordestino... Agora mora na Etiópia (o perfil do link é antigo). Mas derivo, quando quero dizer é que fizemos um jantar oriental e coloquei uma toalha de mesa com símbolos em japonês, e ele começou a ler a toalha e a rir. Era a reprodução em kanji de um texto de jornal que dizia, entre outras notícias indigestas, que um homem tinha morrido num assalto.
Ou seja, língua estranha é lindo. Mas muita calma nessa hora.
ALFABETOS
Reviewed by vivianne pontes on
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Ainda uma consideração sobre as lumi-latas . Vou te contar uma história. Vai parecer metida à besta em algum momento, mas nada mais distante...
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